terça-feira, 26 de junho de 2012

Edital x Produção Artística



Fiz essa foto há pouco mais de um mês. Enquanto estava puto da vida por ter o meu projeto de manutenção reprovado por um órgão da prefeitura de Fortaleza - SECULTFOR.
Logo depois, com a devida tranquilidade que me coube, pude tecer uma opinião mais formada sobre a discrepância deste edital, e sobre a atuação desastrosa de uma banca pra lá de incompetente (salvo por alguns amigos, que mereciam de fato ter seus projetos aprovados).
Na verdade, eu fiquei pensando sobre a atual situação do que produzimos, parece-me que todos nós precisamos desesperadamente de um edital para existir, inclusive eu!
Fiquei pensando na real sensação de inclusão e exclusão que um edital pode nos dar.
É assim que nos sentimos frente a um prêmio de edital, e foi assim que me senti por não ter a bosta do edital da SECULTFOR.
Depois fui processando a coisa, e vi que muitas outras foram feitas no meu trabalho com e sem recurso  de edital, e principalmente, que eu sempre tive o cuidado de subverter a possível lógica produzida por eles. Nunca montei um trabalho atrás do outro como contra partida de edital. 
Não estou colocando um juízo de valor no trabalho de quem o faz, mas acho que isso se relaciona pouco com o meu trabalho, pois prefiro montar as minhas coisas considerando fortemente a minha liberdade artística. 

Pensei uma série de ações como forma de propor uma reflexão em torno do poder dos editais sobre a nossa produção cultural. Mas, sei não! Ainda não sei se quero gastar a minha preciosa energia com isto.
Uma coisa é certa, precisamos de gestões que funcionem, de bancas examinadoras melhor capacitadas (nada de pseudo bailarinas, nada de pseudo coreógrafas, nada de professores aprovando projetos de seus diretores).



Gostaria de dividir com aqueles que tiverem paciência para um pouco mais de leitura, um artigo que saiu há quinze dias, e que justo se relaciona muito com o que venho pensando sobre a questão edital x produção. É bem bacana, e fiquei muito feliz em ter em mãos:


Arte enquadrada

É POSSÍVEL PENSAR a arte para além dos editais públicos e dos patrocínios privados? Em que medida esses mecanismos comprometem o potencial crítico da produção artística? O Vida & Arte propõe a discussão e convida artistas e pensadores ao diálogo
Contemporânea de Casoria (CAM), na Itália, ameaçou queimar toda a exposição permanente do museu como forma de protesto contra os cortes no orçamento da instituição. Segundo Manfredi, as obras estariam “de qualquer modo” condenadas à destruição “pela indiferença do Governo”. A sua “Art War” conquistou simpatizantes em outros países, entre eles a pintora francesa Séverine Bourguignon, que não só concordou com o protesto como foi a primeira “vítima” da manifestação: teve uma de suas peças destruídas com transmissão online. 

O gesto evidenciou não só a situação de penúria por que passa o ministério da cultura italiano, mas chamou atenção para um impasse que atravessa toda a produção artística em nossos dias: a autonomia da arte diante de seus mecanismos de financiamento. Ao destruir publicamente obras que considerava já condenadas pelo descaso oficial, Manfredi retomou a discussão sobre como atuar no mercado da arte para além dos limites colocados pelos financiamentos públicos e pelos patrocínios privados. E, ao mesmo tempo, pela radicalidade de seu ato, questionou o estofo crítico da arte produzida dentro desses limites.

No vídeo Patrocínio não é a solução, postado recentemente no Youtube, o pianista e compositor Benjamin Taubkin alerta para o perigo dessa dependência institucional. “A cultura tem que poder ser crítica, projetar o futuro. Se a arte está o tempo todo precisando dos recursos dos grandes agentes que constroem nossa sociedade, ela fica mais dócil, as discussões ficam mais dóceis”, defende. No vídeo, ele questiona as modalidades de financiamento da cultura no Brasil e alerta que os projetos bancados por patrocínios têm inflacionado o mercado. “Com o patrocínio, os valores do mercado cultural passaram a mirar o patrocinador, isso inflacionou o mercado. Isso é um perigo. A cultura não está conseguindo viver da própria cultura”.

O orçamento é apenas uma das questões de enquadramento de um projeto artístico submetido a uma lei de incentivo ou patrocínio direto. Período, tema, foco, desenvolvimento e contrapartida, por exemplo, também margeiam este espaço. Além disso, artistas já incluem em seu calendário de atividades a criação de projetos específicos, a fim de criar, fazer circular ou manter uma proposta artística.

“Hoje temos grandes empresas que têm seus próprios editais, eles criam um padrão, como se eu tivesse que sair do meu território artístico e me enquadrar. Petrobras, BNB e outras instituições fazem isso. A contrapartida está toda ligada ao social, mas quem disse que nós artistas temos competência para lidar com o social?”, provoca a produtora Valéria Pinheiro, coordenadora do Teatro das Marias, em Fortaleza.

“Eu acho que a cultura deveria viver dela mesma e os mecanismos de financiamento da cultura teriam de reforçar essa autonomia”, defende Taubkin em entrevista ao O POVO. O pianista é fundador do Núcleo Contemporâneo, coletivo de produção musical localizado em São Paulo que tem atuado à margem de editais e patrocínios, viabilizando sua produção apenas com os recursos oriundos do consumo dessa própria produção. “Não tem problema você ter patrocínios e apoio governamentais, desde que não sejam sua única opção”.

Taubkin compara o artista a um médico, ao qual não pode faltar o discurso crítico. “O papel do médico é dizer para o paciente: ‘escuta, o que você está consumindo vai te matar. Vai te fazer mal ou vai te deixar doente’. Eu acho que o artista, em relação ao afeto, ao sentimento, às relações humanas, ao seu imaginário, ele pode dizer isso para a sociedade. Então, cada vez que a institucionalidade se coloca como uma barreira para tentar abafar esse discurso, você está perdendo a possibilidade de cura como sociedade”.




Texto de Elisa Parente e Felipe Araújo para o jornal O Povo


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