segunda-feira, 20 de junho de 2011

Sobre a febre da marcha


Eu andei acompanhando, em silêncio, esses dias toda a articulação feita via internet a respeito de algumas marchas em Fortaleza; “Marcha das Vadias”, “Marcha da Liberdade”, marcha disso e marcha daquilo, é tanta marcha! Tem até “Marcha de Jesus”, pasmem!
E eu fiquei com a sensação de ser justo a criança que “vê que o rei estar nu”. É verdade, me senti assim. Tudo isso me pareceu tanto desperdício de energia, e pior energia de gente inteligente, intelectuais da minha cidade, gente de Deleuze, Foucault-nianos, Guattari-nianos, e todos os “nianos” que o direito reserva.
Difícil pensar que tudo isso leva a algum lugar, também tenho minhas dúvidas de onde as paradas gays nos levam, já fui a muitas, e depois deixei de ir, haviam mais ladrões, e homofóbicos se divertindo com a franga solta alheia em espaço e momento criados para a reivindicação, do que a reivindicação propriamente dita. Os mais otimistas, vão dizer: Fauller, que injusto as paradas servem sim, caminhamos! E eu responderei: poderíamos ter caminhado mais, se todos tivessem mínimo de noção, e posicionamento político, noção política não é tudo.
Confundem marcha, passeata, caminhada, parada, com porra louquice.
Que tal criarmos a “Marcha da imbecilidade”?
A marcha é uma febre brasileira, e como toda febre, arde, queima e passa.
Podem me convidar, que eu não vou! Não vou mesmo!!!
Eu não quero mais liberdade que já tenho, já faço o que quero, e quando bem entendo. Eu quero respeito, e isso é tudo. Não preciso de um rebanho para viver a minha vida como quero, minha liberdade é o meu pensamento.
Tudo isso me faz levar ao nada prestigioso episodio do espetáculo do igualmente nada prestigioso francês Boris Charmatz na ocasião da Bienal Internacional de Dança do Ceará em 2007. Ele apresentou seu show de estupidez, batizado Gala. Em um determinado momento, eu comecei a me sentir bastante incomodado com o trabalho, sobretudo com o discurso de Boris em cena: eu vim ao Ceará porque eu adoro esse lugar, eu não tinha nada especifico para apresentar, mas eu queria vir, ficar na praia e beber água de côco... as pérolas foram indo de mal a pior, ele conseguia piorar a cada minuto que passava, um desaforo! Quando enfim saí, vi que boa parte dos formadores de opinião, curadores de outros festivais (incluindo fora do Brasil), e renomados críticos de dança, já estavam lá fora, enfurecidos. Resolvemos todos entrar e vaiá-lo no momento do agradecimento. Ao ouvirmos as palmas, adentramos com tudo no teatro, e aos berros vaiamos, vaiamos muito, o mandamos voltar a Paris. Foi algo extremamente forte e político, e teria tido potencia maior, se todos que se prontificaram tivessem entrado no teatro de fato.
O que aconteceu? Quando olhei para trás em meio aos berros, estávamos apenas eu, Clarice Lima e Breno Caetano, os demais apenas gritavam de longe, na segurança da distância, sob a penumbra da bancada. Estavam indignados, mas não queriam tomar posição mais arriscada. Aquilo de fato foi assustador para eles, talvez até demais, vai saber.
Eu e Clarice fomos até lá na cara dele, talvez por termos morado na Europa, e saber como as coisas acontecem lá, sobretudo em Paris (a platéia se manifesta, levantando e batendo os assentos das cadeiras, se não gosta do espetáculo, uma vez subiram no palco e quebraram o braço de Matilde Mounier), e Breno nos acompanhou porque é jovem demais e destemido.
No outro dia, no debate, cara a cara com Boris, e levando a fama de barraqueiro, insensível, estava eu, infelizmente apenas eu, ninguém que gritou foi ao debate. Ao final de tudo, eu e Boris conversamos no pátio do teatro, ele tentou se justificar, e perguntou se eu falava inglês, eu o respondi: sim, mas falo melhor francês, pode falar, eu vou entender.
Eu acredito, que ele seguiu para as outras cidades brasileiras com um pouco mais de cuidado, ainda teria que passar pelo Rio e Belo Horizonte. Penso também no papel importante da Bienal na formação política da nossa platéia de dança, tamanha reação nunca seria possível há doze anos atrás. Vimos muito, por isso podemos pensar sobre o que vemos.
E é bom mesmo pensar o peso que pode ter a minha presença em uma marcha, não quero eu, mais levar uma cambada nas costas, e no final me fuder sozinho!


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