terça-feira, 31 de maio de 2011

Segue texto lido hoje, antes os três comentários que fiz, via facebook

 

Olha só! Eu também me sinto deprimido quando chego no aeroporto e vejo aquelas fotos, como se aquilo fosse a representação máxima da cultura da minha terra. Como cearense eu não sou o humor, o pescador, a mulher rendeira, o cangaceiro. Eu sou uma pessoa que foi formada, criada nas bordas do humor, do pescador, da mulher rendeira, do cangaceiro, etc.

 Agora acho idiota achar que quem é diferente é de marte, e não daqui. Que sentença é essa? Eu quero pensar no meu trabalho como um contra ponto para essa idéia imediata e fácil de ser pensada do que venha a ser o Nordeste/ Ceará/ cearenses. Honestamente, FODA-SE! Esse tipo de pensamento colonizador!

 E viva o Ivan timbó que o cara toca bem mesmo!

 

 

>TERROR NO AEROPORTO PINTO MARTINS

Um aeroporto não é parte da cidade, é parte da viagem. Os aeroportos são todos tranqulizadoramente iguais, ou quase. Eu gosto muito do de Cuiabá; pelos banners parece que você está chegando perto do mato (na verdade está). Mas só há uma cidade que nos ofende já no aeroporto: Fortaleza. É só você sair do finger e penetrar no corredor de desembarque, e já há uns anúncios gigantes daqueles hediondos comediantes locais maquiados. E, se você tiver o azar de ir para os lugares errados, só piora.
Mas Fortaleza não é essa cidade de imbecis, de comediantes, especulação imobiliária e turismo sexual. Do pior de dois mundos, uma cidade prostituída e arrogante ao mesmo tempo, o império da Tassia (Jereissati). Pesquisando um pouco sob as aparências, tem toda uma tradição de inteligências boêmias e alternativas, que passa pela Padaria Espiritual, pela Massafeira, e chega aos artistas “no exílio” que são tão queridos em São Paulo e no resto do Brasil: Cidadão Instigado, Karine Alexandrino, Daniel Peixoto (desde o Montage), o povo do Jardim das Horas, do Fóssil... Gente sensível, ou mordaz, ou brilhante, ou transgressiva, ou tudo isso junto. Mas parece gente que veio de Marte, e não de Fortaleza.
Uma vez, quando ia escrever sobre o Montage para a Bizz, impressionado com o fato do Ceará ter entregue a banda eletro-sexy que SP estava devendo há anos, liguei para Karine para perguntar o que a cidade tinha de bom, pra gerar tantos projetos legais (eu já estava atento antes disso ao Forma Noise, ao Realejo Quartet e a todo um sofisticado ambiente criativo que parecia existir). “De bom não, de ruim”, disse ela. “Aqui não é como Recife, que tem a ‘febre do edital’ (risos), que todo mundo apóia. Só se sobrevive artisticamente aqui com muita convicção”.
Anos depois, conversando com o Felipe Gurgel (cara à frente de outro projeto muito bacana, O Garfo) me dei conta de que Fortaleza tem uma síndrome parecida com a de São Paulo, a do cosmopolitanismo blasé: “Já vimos tudo, e toda novidade é uma merda, até prova em contrário”. Como em SP, não há o benefício da dúvida, as pessoas se chocham, os núcleos de produção (como já foi em Belém, o que foi corrigido pela própria potência da cena) conversam mal, não conseguem desenhar estratégias conjuntas.
Amigos, vou revelar uma coisa: os artistas todos do mangue beat não se amavam. Como em qualquer lugar, em Recife havia (há) invejas, disputas, rancores, maus humores diversos e variados. Mas há uma inteligência estratégica e um apreço pela cultura local que pesa mais que isso. Por exemplo, o manifesto que está estampado no primeiro disco da Nação Zumbi não foi escrito por Chico Science. Ele vem da pena e da inteligência coletiva de Fred Zero 4, de Renato L, de HD Mabuse, de Helder “DJ Dolores” Aragão (que, aliás, foi quem chamou minha atenção para o Cidadão, já no primeiroEP). Mas ninguém morreu de despeito (apesar de ficar meio assim) quando Chico estampou o manifesto em seu álbum sem assinatura. Ou garfou uns versos de Otto (aquela listagem de bairros) em “Rios Pontes & Overdrives”.
Não digo isso para sacanear Chico, mas para demonstrar que seu “cérebro remixador” funcionava assim, capturando fragmentos da inteligências coletiva e os reordenando em um projeto – e uma mitologia – pessoais. (Miles Davis – que é Miles Davis – “incorporou” música até do Hermeto Pascoal). Quando Chico saiu à frente, ao invés de ser objeto de chochação, a cena festejou seu desbravador e veio atrás. Fico imaginando o que aconteceria em Fortaleza se, como Chico: a) um cara abortasse uma coletânea com várias bandas ao ser contratado por uma gravadora; b) o cara usasse uns versos alheios com um certo à vontade; c) um cara tomasse pra si o manifesto do movimento, do qual ele não escreveu uma palavra. ENCRENCA brava, certo?
Por muito menos (volume do PA), anteontem meus amigos recentes Glaubim Holanda e Ivan Timbó saíram detonando a produção da Mostra Petrúcio Maia (que me trouxe aqui, para o júri), supondo que seu som foi deliberadamente sabotado para desmerecer a cena local e projetar o Macaco Bong (como se o Macaco precisasse disso). Não vou aporrinhar muito o Glaubim e o Timbó – porque apesar das cenas de paranóia e teoria da conspiração explícitas, metafisicamene eu sei do que eles estão falando. Dessa sensação de despertencimento, de desconforto artístico, de serem tungados em sua própria terra. Eu venho de SP, e lá é assim (ou melhor, tem sido – um novo movimento já está em curso, confiram no noticiário).
Vamos voltar lá no Chico Scence. O que permitiu esses arranjos estratégicos, do Chico sair à frente e virar um herói – e não um traidor – em sua terra, abrindo o Brasil para a cena pernambucana, é expressão não de peleguismo dos recifenses (eles conseguem ser bem invocados se precisar), mas de um conforto e de um pertencimento que não colocou os caras na ofensiva uns contra os outros, mas na mesma trincheira, contra a burrice, a tosqueira e a caretice. Ao reinver Pernambuco, eles reiventaram para o Brasil, eles reinventaram o Brasil.
O Otto, por exemplo, que era júnior no Mundo Livre, agora está de novo na linha de frente. Eles diriam, como disse o brother do Good Gardem (sic) outro dia num debate no Bom Mix, DESTA VEZ NÃO FUI SELECIONADO, MAS ME CONSIDERO REPRESENTADO. Já na discussão virtual sobre o PA da Mostra, outro amigo meu que sabe das coisas e tentou ser sensato, foi chamado de lambe-saco ou coisa que o valha.
Nos três anos que eu participei da Mostra Petrúcio Maia e/ou da Feira de Música de Fortaleza, vejo cada vez mais coisas legais surgindo aqui. Me interesso pelo som do Vitoriano, do Macula, do Jonnata Doll, do Baque Lírico, do Rodrigo de Oliveira, do InNo Sense e de mais uma boa quantidade de coisas (não serei mais específico porque estou no meio de um processo de seleção). Na mesma medida que achei deprê a discussão da quinta-feira, na Mostra Petrúcio Maia, achei sensacional como a noite foi esquentando na sexta, com os Ska Brothers, com o Grite Grite Outra Vez... – sendo que esse com a participação do mesmo revoltado Timbó da quinta.
Ora ora, a menos que alguém crie uma teoria da conspiração para explicar porque os shows da quinta deveriam dar errado e os da sexta certo, vou voltar à lição do mangue beat: um pouquinho de estratégia conjunta, de “se sentir representado”, e não “se sentir sabotado”, vai fazer bem pra cena como um todo (segundo o rabino Nilton Bonder, o céu e o inferno estão presentes nesta dimensão – é só vibrar um ou o outro). Não precisa ser como no Rio de Janeiro, onde exceto o Lobão, o Lulu Santos e o Ed Motta todo mundo ama todo mundo (e a Globo paga a conta). Mas ser como aqui, todo mundo desconfiar das motivações de todo mundo, também é um exagero.
Um dia destes ainda vou sair naquele aeroporto e topar com um anúncio de um artista local de que eu goste, e não dos deprimentes humoristas cearences maquiados. Não quero morrer de susto e de depressão toda vez que desembarco aqui, me ajudem. Seguimos na conversa...

Por Alex Antunes


Nenhum comentário:

Postar um comentário