domingo, 14 de novembro de 2010

Sobre a violência da delicadeza


Semana passada entrei em um ônibus no início da noite, e de cara vi todo mundo com um incomodo no rosto por alguém que estava perto da porta, olhei rápido como quem não quer nada, e logo fui influenciado pelo pânico das pessoas, vi um cara mal encarado, e rapidamente pensei: ele deve estar querendo sair correndo pela porta de trás, ou roubar alguém. Tive o cuidado de colocar a mochila na frente discretamente e passei a catraca imediatamente. Fiquei em pé na porta do meio do coletivo, e logo o cara passou também a catraca, ao fazer isso ele se anunciou, e para a minha surpresa e de todos os presentes, caiu de sua boca palavras de uma delicadeza cortante, ele era um vendedor de balas de gengibre, falou dos componentes do produto e de seus benefícios pra saúde, mas o pior de tudo é que ele o fazia de forma que deixou a todos petrificados, acho que como eu ninguém ouvia mais o barulho do transito, ou via o que estava em volta, seus olhos verdes profundamente tristes e humildes contrastavam com a sua pele negra, escurecida ainda mais pela exposição ao sol.
Ao final ele agradeceu a atenção, certo de que teria a continuidade do seu trabalho (palavras dele, dessa forma). Não demorou muito para todos os seus saquinhos de balas sumir, todos compraram.
É claro que não foi o valor medicinal do produto, mas sim a forma como o rapaz conseguiu tocar a todos nós. Fiquei o observando, acho que teria medo de cruzar sozinho com ele em uma rua deserta, mas naquele momento eu tive uma imensa curiosidade de saber quem ele era, o nome dele... já se aproximava da minha parada, dei sinal e junto comigo ele desceu, continuei o observando até ele desaparecer na praça.
Confesso a vontade de falar com ele, e talvez agradecê-lo, sim um agradecimento ou um pedido de desculpas era o mínimo a ser feito pelo fato de tê-lo julgado (mas como dizia Oscar Wilde: só os superficiais não julgam pelas aparências).
No caminho de casa, e nos dias que se seguiram, fiquei pensando em como a delicadeza da vida pode brotar onde mesmo se espera, e como nós ditos “seres civilizados” estamos embrutecidos, e tememos o que é de fato delicado, mesmo nós que pensamos ser mais sensíveis dentro dessa sociedade doente. Talvez por isso eu tenha tido tanta dificuldade em chegar até o rapaz.
Tenho pensado muito sobre como me relaciono com o mundo.



Pra acompanhar esse texto sobre o "delicado da vida", posto algumas fotos do meu amigo-querido-irmão Breno Caetano (bailarino e circense).
Atualmente está na França, fazendo escola nacional de circo - CNAC
Saudade das nossas conversas sobre política, sobre os nossos amores, saudade das noitadas e de chegar de manhã enlouquecidos, rs, saudade.


2 comentários:

  1. por que será que todo mundo anda armado?

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  2. você viu? dariurtz está se despedindo em seu blog... é uma pena. será que é sério???

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