segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Entrevista com Fauller - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará

Por Paulo Victor C. Aires
(Curso Superior de Licenciatura em Teatro - Profª Mônica Marçal)


Com a idéia de fazer uma análise da dança contemporânea no estado de Ceará mais especificamente em Fortaleza, me proponho a analisar um grupo que vem se destacando por sua linguagem cênica, pela sua composição coreográfica autoral e diferenciada.

1-Como surgiu a companhia, era intenção de vocês se tornar uma?
A Cia. Dita surgiu em 2003, logo que o Colégio de Dança do Ceará foi extinto, éramos na época todos bailarinos recém formados pelo “colégio” e apenas queríamos dá continuidade ao nosso trabalho. Foi super importante criar a companhia, pois foi ela que nos manteve dançando ao longo dos anos. Na época não tínhamos muito claro essa noção de grupo que temos hoje, apenas estávamos juntos, a noção de companhia leva tempo para ser amadurecida, muitas vezes leva anos, só de três anos pra cá é que tenho consciência da responsabilidade de se ter um trabalho coletivo.
2-Enquanto pesquisa, o grupo se preocupa em investigar algo em específico?
O corpo sempre vai ser o foco, mesmo que o discurso e pesquisa estética em torno dele mude.  Em alguns trabalhos ele virá revestido de questões políticas, em outros filosóficas, em outros éticas, ou ainda tudo isso junto. Gosto de criar diálogos entre linguagens com as quais me relaciono de forma mais íntima, como a dança, a fotografia, a performance, o vídeo e o teatro, ou ainda com a literatura, que tem sido uma grande paixão nos últimos tempos.
3-Vejo no trabalho de vocês uma preocupação em forma/imagem, vejo que não se existe uma dissociação, o “assunto” se traduz objetivamente na forma, essa opção estética foi pensada ou aconteceu naturalmente?
Isso se deu desde o começo do teu trabalho como criador talvez pelo fato de amar a fotografia desde criança, aos 12, 13, já estudava sozinho fotografia, então quando comecei a coreografar sempre tinha como ponto de partida imagens fotográficas, até hoje não separo muito uma coisa da outra.
4-Na sala de ensaio como acontece a composição coreográfica, lembro da Wilemara falando que vocês improvisam durante meses, até você a partir dessa movimentação mais limpa que vai surgindo naturalmente no decorrer do tempo, fazer  escolhas de movimentação; como ocorre essa dinâmica até a  criação de uma coreografia?
Não tenho receita, posso demorar meses apenas improvisando, como posso ser super prático e já chegar a sala sabendo o que quero, sem querer perder muito tempo. Na maioria das vezes gosto de perder tempo na sala e ficar horas, dias na mesma coisa, até ela virar outra de tanto que a gente volta até ela. Mas tem uma coisa aí instintiva que me diz a hora de parar de perder tempo e resolver logo, rsrsrs.

5- Como ocorre o processo criativo de montagem de um espetáculo da companhia?
                                                                                                                       
– Sempre penso que sou um artista de poucas produções, no final da minha vida não terei muitas obras para contar a minha história, mas terei obras sólidas, que foram revisitadas muitas vezes ao longo dos anos. Gosto de criar um trabalho e ficar no mínimo três anos em cima dele, se passo menos que isso algo de errado saiu. Não gosto da idéia de montar um trabalho por ano, mudo muito os trabalhos ao longo do tempo de vida deles, de forma que quem assiste sempre percebe algo diferente, mudanças sutis, e às vezes bruscas mesmos, sou capaz de destruir todo o trabalho que a cidade inteira conhece (e gosta) e refazê-lo se acho que ele não estar mais comunicando o que eu quero, não tenho apego a obra, essa coisa de colocá-la no pedestal e ela não ser mexida. É preciso quebrar e reconstruir a obra quantas vezes for preciso, assim como é a vida.  É a única forma de a obra permanecer viva.

6-  A idéia de um "tema" surge em coletivo, ou essa é passada por você e experimentado pelo grupo?
Nunca trabalho em cima de “tema”. Artista não tem “tema” tem questões. Quando entro em um teatro e vejo um grupo desenvolvendo tema, saio de fininho.
7-Vejo que na residência você tem nos estimulado a escrever, e você disse que esse é um habito que você tem inserido nos bailarinos da Cia, você utiliza desse escrito na composição das coreografias do espetáculo? Se sim, de que forma?
Coloco os bailarinos para escrevem porque acho que nós brasileiros escrevemos pouco e  cada vez pior, talvez devido a internet, não sei.  Fico muito atento a escrita das pessoas quando leio algo, inclusive a minha, porque obviamente também acho que escrevo mal às vezes, mas fico feliz quando escrevo um bom texto, é como ter um filho, quero mostrar para todo mundo, rsrsrs. Eu acho que o pensamento precisa se organizar na escrita, como fazer grandes homens, se eles não sabem escrever, organizar o próprio pensamento¿
Fico orgulhoso dos meus bailarinos, ou dos meus alunos quando percebo que eles estão amadurecendo a escrita, que estão percebendo o mundo de outra forma, isso os leva também a outro nível de autoconhecimento.
Às vezes posso usar um texto que alguém escreve em um trabalho, mas no geral os guardo, e os revisito sempre que posso, outras vezes leio para eles anos depois.
8- Para Cia. Dita como seria uma definição de composição coreográfica?
Composição coreográfica para a Cia. Dita é algo que estar relacionado a uma construção de pensamento, pode ter movimento ou não.
Isso é difícil de definir, existem muitas formas de compor, muitos criadores e compositores, cada uma tem um jeito diferente, e nada pode ser dito como verdade absoluta, eu apenas quero dizer tudo isso aqui porque é pertinente a mim e ao nosso processo de companhia, mas nunca pode ser encarado como algo imposto, como verdade única.

Um comentário:

  1. Bom saber um pouquinho mais de você e da sua arte atrvés dessa entrevista. Gostei da parte do diálogo com a literatura... uma vez vi um espetáculo de ballet sobre uma obra da Clarice Lispector... fabuloso. Cresce minha admiração por você. Beijo.

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