terça-feira, 19 de abril de 2011

À dança cearense



Já faz algumas décadas desde que os pioneiros Hugo Bianchi, Regina Passos e Teresa Bittencourt projetaram desejos de fazer dança aqui no Ceará. O desejo foi tamanho que deu no deu. Sabiam eles do tamanho de suas projeções de desejo? Acredito que não.
De lá pra cá, a dança cearense deu seus primeiros passos, ou seriam saltinhos? Horas, não vamos ser modestos a este ponto. Cabe-nos inflar o peito sim e declarar que os saltinhos tornaram-se grandes saltos. Por anos, tivemos uma sólida formação, seguida de informação, reciclagem, consciência política, estética e social do nosso fazer dança. Ganhamos também projeção nacional e internacional. Com tudo isso, tornou-se proporcional um peso de responsabilidade.
Maio Mulher, GP Dance, Festival de Dança do Litoral-Oeste, FENDAFOR, Bienal Internacional de Dança do Ceará, Bienal de Par em Par, Festival Nacional de Dança do Cariri, Curso de Especialização Dança e Pensamento, Comissão de Dança de Ceará, Fórum de Dança do Ceará, Fórum Cearense de Dança, Pró-Dança, associação disso, associação daquilo, associação de assado, inúmeras associações com suas naturezas políticas, e um desejo em comum, ver a dança do Ceará ter corpo, vez, e voz.
Foi no ano de 1997, a primeira Bienal de Dança do Ceará. Eu olhava atônito e com olhos arregalados aquele bando de bailarinos circulando pelos corredores do Theatro José de Alencar. Era uma efervescência que impulsionou a me jogar em uma sala de aula de dança. Naquele momento histórico para todos nós, um fórum de dança, do momento seguinte, uma comissão de dança. De uma, duas, três, dez, cinqüenta, e sabem-se lá quantas reuniões, enfim, nasce o Colégio de Dança do Ceará.
Não foi a primeira vez, e espero que não seja a última, em que estivemos reunidos de modo tão intenso a caminhar na mesma direção. Sem dúvidas, o finalzinho da década de noventa do século passado, o ano de 1997, ficará para todos nós como um divisor de águas.
O mapa da nossa dança mudou rapidamente, e muda a cada dia, hora e segundo, assim como as políticas públicas que nos fazem quase artistas de circo, dançando em cordas bambas. Já fomos vistos como “um celeiro de exportação” de grandes talentos e por um grande período de tempo quase todos se foram. Rio, São Paulo, Alemanha, EUA, França, Bélgica... Cláudio Bernardo, Milton Paulo, Rosana Mara e Cacá (Clarisse Lima), Ricardo Barreto, Ricardo Freire, Gustavo Lopes, Chico e Chica Timbó, tantos e tantos, tiveram que ir. Comecei a dançar pensando também que teria de ir, mas Fortaleza, assim como as políticas públicas, transformou-se rápido demais, em um dos grandes centros da dança no Brasil. E não demorou muito para reconhecermos o interior do Ceará como centro efervescente da linguagem da dança.
Mesmo com tanto porém, a dança faz-se pulsante na resistência do Balé Baião, nos meninos bailarinos (agora homens do Paracuru), na inquietação própria do Cariri, do Trairí, Icapuí, Horizonte,Tabuleiro do Norte, e de inúmeras cidades do interior dançante do nosso estado. Talvez ainda se pense em dançar além de nossas fronteiras, além mar, mas eu quero acreditar num ir com desejo de trânsito, queremos ir e vir, vir e ir, em constante movimento.
Talvez se tivéssemos tido a oportunidade de uma companhia estatal no momento fulminante de termino do Colégio de Dança, nossa realidade seria completamente diferente, certamente seria outra. Mas o que se deu naquele momento como única opção me parece hoje igualmente potente, senão até mais. Fomos apartados mais uma vez, e muitos voltaram para suas ilhas de origens, outros criaram suas próprias ilhas, e outros conseguiram sobreviver criando suas companhias, ou voltando para seus grupos. Passaram-se mais de dez anos até aqui, e eu me percebo envelhecendo como bailarino, dia após dia em sala de aula, e eu me percebo pensando nas pessoas de ontem e nas de hoje, nos grupos da minha geração, e nos mais novinhos. Grupos de um, de dois, de três, cinco, dez, e até mais pessoas. Sempre fomos muitos e, às vezes, parece-me cada vez mais. Às vezes parece-me que somos tão poucos!
O Colégio de Dança acabou. Mas agora temos um Curso Técnico de Dança em sua terceira turma, uma graduação pública de Dança em sua primeira turma. Mais suor, mais dor, mais pestanas queimadas em noites de pré-estréia, e aquele frio na barriga que sentimos chegando até a espinha dorsal. É, tudo muda rápido demais, menos essa coisa humana de sentir vontade de seguir dançando.
Vivemos a era do “conceito”, enfim, chegamos até ele e, com ele, as alegrias e desbravuras de se colocar diante da própria dança. Como ser generosos, sensíveis, grandes (ou pequenos), conceitualizando o que fazemos sem nos perder da condição de ser gente?
Nesse momento tantas pessoas, tantas histórias vêm-me à cabeça, penso que mesmo com tanta fragilidade, já somos fortes politicamente, sim! Mas também não posso deixar de dizer que somos ainda frágeis com a nossa memória (que tal um módulo na faculdade sobre a nossa história?). Alguém aqui lembra de Fernando Mendes? De Robson Rosa? Dos tempos de balé lá no SESI da Barra do Ceará? Não é a primeira vez que acolhemos a dança carioca. E que possa haver muitas outras vezes.
Quantas gerações de bailarinos foram formadas por Helena Coelis no auge de sua carreira? Quantos foram formados por Mônica Luiza, Madiana Roncy, Gorette Quintela, e por tantas outras... Sou ainda da época das “primas ballerinas” de cada academia, elas eram terríveis, guerreavam e, ainda assim, eram fascinantes. Cresci ao lado de muitas: Alana Rodrigues, Janahina Santos, Amanda Teixeira. Cresci também ao lado de grandes bailarinos homens: Marcelo Hortêncio, Douglas Mota, Julio Cesar Costa, Everardo Freitas. As poderosas Cláudia Pires e Wilemara Barros (o que faz com que uma bailarina seja alçada a posto de diva? Wilemara, você pode me responder?).
Nomes, nomes, nomes, cresci ouvindo tantos outros com quem jamais convivi: Monica Nepomuceno, Dora Andrade, Sara Filomeno, Bira Fernandez, Cristiane Cintra, Rita Dantas, Jimena Marques, Jurema Barreto, Juscelino Dantas, Roxane. Eu gostaria de falar de todos, passaria horas aqui falando, sei de tantas estórias incríveis, e protagonistas ainda mais surpreendentes, eu mesmo já devo ter boas estórias, pois sem mim a dança do Ceará seria um pouco mais careta, e um pouco mais vestida também.
Não posso terminar a minha fala sem lembrar a importância de David Linhares, de todas as pessoas que aproximam seus projetos artísticos a projetos sociais, projetos estes que ajudam, sim, a traçar novas perspectivas nas vidas alheias.  Nem deixar de lembrar das pessoas que em seus fazeres de dança contribuem com a nossa cena: Valéria Pinheiro, Jane Ruth, família Passos e família Timbó, Edvan Monteiro, Linhares Junior, Adriano Araujo, Paulo José, Heber Stalin, Lúcia Machado, Carlos Antonio dos Santos, Karin Virgínia, Graça Martins, Euzenir Colares, Irmãos Aniceto, Rosa Primo, Taís Gonçalves, Ângela Sousa, Isabel Botelho, Joubert Arrais, Magela Lima, e tantos e tantos outros. Mil perdões pela ausência de seus nomes, pelo esquecimento momentâneo de suas trajetórias de arte-vida.

Dedico este momento de reflexão aos mestres que muito contribuem até hoje para o meu pensar-fazer dança: Silvia Moura, Andréa Bardawil, Wilemara Barros, Denise Galvão e Ernesto Gadelha.

                           1º Festival Nacional de Dança do Cariri - CE
                                        Debate: A dança cearense

Um comentário:

  1. ler, ver, rever e reviver. olhos que brilham com a memória. tão bom passar no tempo sem se deixar passar, sem deixar de enfiar as unhas onde nos causa fome. fome de você, de sua dança e de seu olhar sobre minha dança. obrigado por dançar em mim!

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