terça-feira, 27 de julho de 2010

Obviedades Intransferíveis

No início de 2008, eu estava querendo reunir a Cia. Dita para criarmos um trabalho em que o movimento fosse a principal questão. Eu queria me desafiar, e desafia-los a elaborar um espetáculo em que pudessemos nos mostrar na melhor forma física. Eramos quatro bailarinos, todos técnicos, todos com uma boa base clássica, e já fazia algum tempo em que não nos sentiamos incentivados a criar algo com "tanto movimento". Na verdade vinhamos de anos e anos, de trabalho no De-vir, estavamos muito pressos a aquela estrutura de trabalho, e também muito acostumados a trabalhar nus, foi um desafio nos sentir bem ventindo roupas. Aliás, vestir roupas em cena foi muito estranho, e foi realmente uma das partes mais difíceis de compor. E ainda assim hoje quando vejo as fotos ou o video do trabalho, digo: putz! Que merda esse figurino! Mudaria quase tudo. Mas não será mudado, nada do que ficou irá mudar, pois "Óbvio" é definitivamente um assunto encerrado na minha carreira. Por vários motivos: Primeiro, não me vejo mais dançando assim, nem vejo uma interprete do tamanho da Wilemara Barros dançando nas pontas como se ainda tivesse que provar alguma coisa a alguém. Segundo, já provamos que além de tirar a roupa também sabemos dançar, sei o quanto essa afirmação é infantil e pode parecer ingenua. Mas na época, estavamos um pouco cansados com todo mundo, dizendo que eu só ia pra Alemanha porque tirava a roupa, ou que tudo acontecia pra mim porque eu mostrava a minha bunda, então resolvi cair na provocação e criar um trabalho tecnicamente muito dificil de outros interpretes na cidade dançarem. Depois convidei pessoas importantes também na cidade para assistir ao nosso "trabalho técnico". Vejam posso mostrar a bunda e ainda ser técnico (e pior, vejam o que a minha bunda já gerou pra minha vida, e pra dança do Ceará).
De todos eu era o tecnicamente mais fraco, por que será que sempre o coreógrafo é o pior bailarino? E também o que tem o movimento mais selvagem? hahahaha. De qualquer forma, tive uma excelente base de técnica clássica durante dois anos com uma mestra que hoje mora em Roterdam (Holanda), ela sim, me ensinou tudo quando eu fui ao seu encontro com os joelhos quebrados por fazer aula de forma errada. Com essa base, de tão sólida, hoje eu poderia corrigir o Nijinski, se fosse o caso, sem me intimidar,kkkkkkkkkk. Então, dentro desse contexto pude reunir a minha companhia pela primeira vez para iniciar outro processo, e também ter conosco um bailarino convidado Lairton Freitas.
Nós passamos quase todo o ano de 2008 compondo o trabalho, mais ou mennos oito meses, e logo depois nossa temporada de estréia, primeira e última.
Confesso que isso foi a parte mais difícil de assimilar, fiquei esses ultimos dois anos ainda sem entender muito bem, porque viver uma experiência única de trabalho, de vida com algumas pessoas, que você julga especiais, e depois tudo ruir. Depois de quase um ano de trabalho, Reinaldo Afonso me disse por telefone, e só depois que eu liguei, que não queria mais dançar, não entendi por muito tempo porque me fez perder tanto tempo com ele, quando eu poderia ter vivido essa experiência com outro bailarino. Outro bailarino na cidade poderia ter aproveitado melhor tudo o que vivemos, e tambem ter sido pago de forma digna, uma vez que ninguém trabalhou de graça, estavamos ganhando dinheiro público, e isso foi o que me deixou mais furioso. 
Não importa o tempo que ficamos em um determinado lugar, só ficamos o tempo que é para ficar. O que realmente importa é a forma como saímos...é preciso saber sair, para depois, se um dia for o caso, poder voltar.
Demorei muito tempo para conseguir rever essas fotos, para conseguir assistir ao vídeo do trabalho, nossos vídeos em sala de aula...mas agora já superei, meu trabalho já se encontra reestruturado novamente.
Acho que o ano de 2008 foi um momento importante para a gente começar a se perceber como companhia, grupo, coletivo de pessoas.
E o "Óbvio"era justo sobre isso. Sobre as relações que cada individuo tece com e dentro de um coletivo. Se haviam muitas piruetas, muitos saltos mortais, e passos dificeis de serem executados, o objetivo e forte desejo, era que tudo isso pudesse ser diluído pelas nossas trajetorias individuais e pela nossa capacidade de pensar, de propror uma composição para os cinco, nós cinco.
Cada exercício, cada café tomado na minha casa, cada centavo tirado do meu bolso, enquanto o dinheiro do edital não saia ( foram muitos meses de espera), me fez pensar nas pessoas que estavam em minha volta, nessas pessoas que eu havia escolhido, porque eram putas bailarinos, e porque eram putas seres humanos, gente de verdade.
Acho que não tenho muito o escrever mais, já tentei remontar o "Óbvio" com outras pessoas, iniciar um novo processo, e nada. Como substituir essas criaturas, esses deuses que eu criei? Não, não é possível, não foi, e nem será possível. Pois aquela foi uma experiência única, vivida por Marcelo Hortêncio, Wilemara Barros, Lairton Freitas, Reinaldo Afonso e Fauller. E não será vivida por mais ninguém, nem que eu queira...o momento é outro. E o nosso TEMPO intransferível.

Nenhum comentário:

Postar um comentário