segunda-feira, 1 de março de 2010

Você quer ser uma estrela?

Um periódico alemão se pronunciou quando dancei em Berlim pela primeira vez em 2007: Fauller é o garoto da capa cintilante, sua figura não pode ser captada facilmente. O diretor de um jornal local me acusou de ser “estrela”, sim porque aqui “ser estrela” é algo que soa muito negativo, feio até. Com ambas as citações ri, apenas ri.

Desde dos meus 5 anos tenho uma idéia fixa na cabeça: ser uma estrela!

Lembro das minhas brincadeiras quando criança, e todas sempre tinham a haver com decorar textos e brincar de novela, cantar com a escova de pentear cabelo em cima do sofá, ou dançar as músicas da Xuxa e do balão mágico escondido quando estava sozinho na sala da minha casa e ouvia os cds tocando na casa da minha vizinha (minha mãe não me deixava dançar nos aniversários das crianças, acho que ela tinha medo que eu me “espalha-se”demais), eu passava todos os aniversários dos meus amigos sentado entediado, morrendo de vontade de dançar, aí já sabem, tinha mais era que virar bailarino e dançar no mundo todo, inclusive sem roupa.

Lembro que mesmo tímido, as festas no colégio se tornaram um escape, lá eu podia decorar textos, interpretar, e ler em público, eu adorava leituras em público, era uma forma de arrematar as pessoas pela minha inteligência, penso eu. Foram nos colégios por onde passei, primeiro uma escola particular, muito rígida, onde eu era pressionado de forma velada e constante a ser um aluno nota A (fui uma criança educada de forma extremamente competitiva, e acho que isso moldou o adulto que sou, ah! mimado também, então de certa forma ser competitivo me salva, me faz arregaçar as mangas ao invés de ficar chorando por mimo).

Mas voltando, além dessa escola particular, passei por outras escolas públicas onde realmente pude desenvolver minha criatividade ao máximo; eu inventava minhas roupas, meu cabelo, minha forma de aparecer dia após dia no colégio, e sempre me apresentava nas festas, naquela época eu me tornei expert em chamar a atenção das pessoas, esse desejo de ser alguém notável ainda era uma fixação. Só com 15 anos eu encontrei o teatro, nossa, que libertação, finalmente eu conhecia pessoas que pensavam diferente, podia sair na noite, ir as primeiras noitadas, ter minhas primeiras experiências sexuais e amorosas.

Estudei teatro dos 15 aos 19 anos, no entanto com 18 anos fui apresentado a dança, e lembro que foi uma experiência devastadora, já havia feito aulas de dança antes, mas só realmente em 1997 comecei a entender o que estava fazendo, só nessa época entendi que a dança seria a minha vida. No entanto, nem tudo seria flores nos anos que se seguiram, fiquei numa situação muito difícil entre 1998 e 2001, nada diferente do que muitos jovens passam quando decidem seguir de fato no mundo artístico.

Eu penso nisso direto, talvez esse seja o meu grande medo, medo de não ter dinheiro de novo pra pegar um ônibus, ou não ter dinheiro pra almoçar. Todos os dias quando acordo penso no que vou fazer pra me distanciar cada vez mais da realidade dessa época. Eu simplesmente tinha que cruzar a cidade se não quisesse pegar uma corona no sinal de transito perto da minha casa, e ai, nossa como eu odiava pegar carona, preferia muitas vezes caminhar, as vezes eu caminhava chorando, e não sabia ao certo porque estava fazendo aquilo, porque estava insistindo numa coisa que eu não sabia onde ia me levar, mas eu simplesmente precisava seguir de qualquer forma, cegamente. Eu não era nenhum príncipe, e a minha técnica como bailarino também não era das melhores, pensando bem, acho que isso me salvou, pois eu via todos aqueles bailarinos maravilhosos da minha turma no colégio de dança (escola de dança que havia no Ceará, mantida pelo governo), e eles eram todos tão bajulados pelo “mestre” por serem já técnicos, dançarem a muitos anos, e realmente eram lindos, eles eram exemplos pra mim, o que não seriam hoje, mas eu olhava e pensava: bem, eu preciso trabalhar dobrado, ler e fazer muita aula, porque essa galera é muito fera, como eu não era um queridinho, tive tempo suficiente pra observar, fui tirando um pouco daqui, um pouco dali e fazendo o meu, nos ano seguinte comecei a estudar composição coreográfica, e foi ali, em 2001 que a minha sorte começou mudar, no ano seguinte eu já estava no Rio, a experiência de sair do Ceará pela primeira vez foi devastadora, sinto-me aliviado que já tenha passado esse trauma, realmente foi traumatizante. Voltei ao Ceará disposto a mostrar a porra do crítico de dança que me levou, que eu poderia fazer algo da minha vida mesmo estando no Ceará, criei “De-vir”, mexi com a opinião das platéias por onde passei, dancei nos mais importantes teatros da Europa e nos maiores eventos de dança do Brasil.

Quando voltei ao Rio 5 anos depois já era Fauller, não precisava mais ser levado como um escravo branco. Hoje, posso dizer tenho um público que se mantém fiel aos meus trabalhos, desenvolvi colaborações com coreógrafos, cineastas, fotógrafos, posso transitar entre uma série de linguagens...e ainda assim continuo ávido, interessado, faminto pela minha própria carreira, nada mudou, não nada mudou desde os meus cinco anos, porque eu ainda tenho uma incrível desejo de fazer da minha vida algo que possa ser notado mesmo depois que eu morrer.

Às vezes sento na minha varanda, e penso que se eu tivesse nascido numa grande cidade como Paris ou Nova York, eu já seria alguém maior, mas como nasci em Fortaleza, e ainda estou em Fortaleza, as coisas vão demorar um pouco mais, mas eu vou seguindo em frente, devagar e sempre, sei que as pessoas vão ouvir falar de mim, mesmo que seja depois de morto, mas vão ouvir falar mesmo 50 anos depois, porque eu não vim a esse mundo a passeio.

Sinceramente, “ser estrela” dá muito trabalho, exige uma dose de sacrifício e de disciplina diários, você tem que ler quando não quer, ir a academia quando gostaria de ficar em casa dormindo, ou se portar de forma política quando gostaria de mandar “uns” as favas.

Mais que ser estrela, fazer o que se quer com a própria vida é algo muito poderoso nesse mundo de pessoas insanas, que a todo tempo vão onde todo mundo vai, ter opinião própria e poder pensar por si só é algo maior que qualquer brilho, status ou glamour pode te dar.

Pense,

seja autentico,

não desperdice a sua energia correndo atrás de falsas questões,

a vida é curta

e ninguém paga suas contas,

nem te coloca no colo a noite quando você tem que ser consolado.



Um comentário:

  1. há tanto pra dizer!!! Mas, as palavras são insuficientes..
    leio e calo.
    Silvia M.

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